Vitupérios desmanimalizantes

Se quero ofender
chamo de burro, de asno,
de mula, de anta, de vaca,
de cobra, víbora, jararaca,
jumento, porco, besta quadrada.
E como se não bastasse particularizar,
para ofensa geral,
chamo o desafeto de animal.
Ora, por que aplicações injustas
desse linguajar insano?
Pra resolver as verborrágicas contendas
bastaria fosse dito:
Não passas de um ser humano!!

Paulo Ferrari

Agora chove bem (aqui)

Chuva sempre vai ser tema
de poema.
Seja uma pancada, uma garoa,
uma tromba d’água,
ou se chove a cântaros
por todos os cantos.
Água que cai do céu
é inspiração vitalícia,
delícia sabor nuvem
que do vidro da janela
manda que seja dito
qualquer coisa sobre ela.
Na imaginação: efeito estimulante;
quando molha a terra é perfume,
quando pinga n’alma é hidratante.

Paulo Ferrari
http://www.palavrite.wordpress.com

Entre o cosmos e os cosméticos

Uma barba grisalha
tarda mas não falha.
Pé de galinha, bigode chinês
apenas aguardam, pacientes,
a sua vez.
Rugas, manchas, linhas de expressão,
com a estratégia montada,
apontam artilharia pesada.
O que resta nessa guerra perdida
é investir nas batalhas sofridas,
que podem ser travadas
com otimismo e coragem
até o fim da vida.

Paulo Ferrari

Poema secreto ou O quarteto dos treze versos

No primeiro verso fica tudo do avesso,
para que não se saiba sobre o que versa.
O segundo verso tergiversa,
desconversa, muda de assunto,
para que pensem que pouco sinto,
quando sinto muito.
O terceiro verso disfarça,
com jogo de palavras,
o que não pode ser revelado de graça.
O quarto verso completa o quarteto
sem esclarecer o objeto
e deixa, no máximo implícito,
o que quero que seja secreto.

Paulo Ferrari

De como os nervos beligerantes concederam um trégua

Chego com os nervos de aço oxidados,
em frangalhos, esmigalhados,
à flor da pele.
Passaporte carimbado para o hospício,
à beira do precipício,
à beira de um ataque de nervos.
Mas no exato momento
em que o nevoeiro turvo,
torna tudo puro estorvo,
vejo que te achegas,
com flores à flor da pele
e perfume em destaque.
Imediatamente
os nervos suspendem o ataque.

Paulo Ferrari

Antes antes que depois

Preciso arranjar coragem
pra acabar com essa bobagem
de achar que já é tarde
pra fazer isto ou aquilo.
Antes tarde do que nunca
pra parar de dizer nunca
e começar a fazer parte
do todo, não só da parte,
antes que seja tarde.

Paulo Ferrari

Breve preleção sobre possíveis atitudes a serem tomadadas diante da voracidade da terra

A terra, um dia desses,
por gula ou por interesse,
há de comer os meus olhos
e também os teus.
Não só os olhos e o rosto,
mas todo resto do corpo
também vai virar farelo,
mesmo que unha e cabelo
demorem um pouco mais.
Se é tão simples assim,
é bom começar agora
a seguir a regra dos três:
Não quando for não,
sim quando for sim
e se não tiver certeza,
certamente é talvez…

Paulo Ferrari

Incluindo o terceiro excluído

Qual valor de verdade
tem valor de verdade?
Verdadeiro ou falso
sempre procuram vaga
no agir e no pensar.
Insuportável encalço
que pretende encaixotar
a realidade que percebo,
como efeito placebo
que me faz acreditar
que está tudo em equilíbrio.
No ou do V ou F se desdobra o infinito.
Entre a verdade que duvido
e a falsidade em que acredito
fico, a princípio,
com o terceiro excluído.

Paulo Ferrari

Tatuagem

Sangra a pele,
segue a sombra sendo feita.
Tinge o sangue,
vibra agulha que penetra.
Arde derme,
linha, forma se projeta.
Nasce o nome,
carpa, monstro, borboleta.
Cicatriza,
recupera e se revela
obra prima:
uma pele está mais bela.

Paulo Ferrari

Qualquer um que seja vivo e que não seja eu

Quem é vivo sempre aparece
na hora certa, na hora errada,
sem hora marcada.
Quem é vivo sempre parece
que está de saída,
que está de passagem, agenda lotada.
Quem é vivo sempre se esquece
que a vida fenece
a cada piscada, a cada respiro,
a cada risada.
Quem é vivo sempre perece,
do momento em que nasce
à última prece.
Quem é vivo quase sempre,
no fim da jornada,
para sempre
desaparece.

Paulo Ferrari